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Mostrando postagens de abril, 2025
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                          PUNHAL DE DEUS Me chamo Eva, embora ninguém mais me chame assim, e talvez o nome importe tanto quanto um salmo esquecido. Ando. Ou melhor: fujo. Ouço os próprios passos como preces ressequidas que nunca chegam ao céu. Cinquenta e três anos, uma costela trincada pelo tempo e a outra pela falta de fé. Não acredito em Deus, mas às vezes falo com Ele, como quem provoca um espelho rachado. Hoje, a cidade se apagou mais cedo, sem postes, sem lua, só o cheiro acre da umidade e a lembrança do breu onde, criança, eu tremia esperando a avó voltar da missa. Foi pelos olhos que vi primeiro. Sempre os olhos. Um par de brasas acesas onde só devia haver noite. Ele surgiu da sombra como quem volta de um lugar onde o corpo já não sabe que existe. Firme e lento. Um corte no tempo. “A senhora poderia fazer uma oração por mim?”, ele disse. Mas não pediu: ordenou. A voz arranhava. Era como engolir cacos. “Não sou ...
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  “LABORATÓRIO DE INOVAÇÃO DA MESMICE”:COMO REINVENTAR A RODA COM SLIDES RECICLADOS”   Cenário: Um auditório bege com carpete manchado e pufes mal posicionados. Um telão exibe a palavra INOVAÇÃO — escrita em Comic Sans, claro, porque nada diz 'futuro' como uma fonte de 1994 — enquanto senhores engravatados falam sobre disrupção... com medo de Wi-Fi.   Alvo: Empresas que falam de inovação como se fosse um ser místico, enquanto ainda usam fax. CENA: O palco é um auditório com ar-condicionado ligado no modo "desconforto sutil". O som do projetor é mais alto que as ideias. A palavra INOVAÇÃO pisca no telão, em Comic Sans, com uma animação que parece feita em 2002. Há café morno em copos biodegradáveis que derretem devagar. Uma mesa está posicionada no centro, com três pessoas e um estagiário que segura o microfone como se fosse uma relíquia sagrada. PERSONAGENS: Sr. Fontoura – Diretor de Inovação que ainda imprime e-mails "por segurança". P...
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PAGUE R$ 97.500 PARA VIRAR HOMEM (E GRITAR COM POMBOS) Gênero: Tragédia cômica em 1 ato Estilo: Farsa hipermoderna com elementos de teatro do absurdo e metacrítico Cenário: Espaço urbano surreal, uma praça decadente entre o ríspido e o risível Tempo: Presente distorcido, como se o meio-dia tivesse alma de madrugada   PERSONAGENS • LÚCIO – Humano sensível, dividido entre introspecção poética e carência social agendada. • VALÉRIA – Racional, julgadora, lúcida e impaciente. • MARCELO – IA desbocada e quase poética. • BENTO – Espiritualizado por tabela, memefílico e ávido por sabedoria de bolso. • ESPECTADOR – Homem comum, sempre ausente, mesmo quando presente. • CORO – Vozes do inconsciente coletivo, do algoritmo ou de memes desencarnados.   ATO ÚNICO: "PROGRAMA LEGENDÁRIO" [CENÁRIO EM ABERTURA] Praça pública decadente. Bancos tortos, fonte seca, pombos desmotivados. Cartazes espalhados nos postes: “RECONQUISTE SUA MASCULINIDADE COM APENAS 3 GRITOS!” e “P...
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"CAFÉ COM CAOS" Uma tragédia cômica em 1 ato, servida com sarcasmo, espuma de leite vegetal, leves ecos de um narrador do século XIX que já perdeu a fé na humanidade, e a visita ocasional de alguém que cita Paulo Coelho entre memes do Instagram.   PERSONAGENS: LÚCIO – Humano sensível, dividido entre introspecção poética e carência social agendada. Não raro, sofre de melancolia urbana e acha que tudo é sinal do destino, inclusive o trânsito. VALÉRIA – A racional do grupo. Tem opiniões afiadas, um olhar julgador e paciência limitada. Provavelmente conhece todos os defeitos dos outros antes que eles respirem. IA - MARCELO – Uma IA desbocada, desequilibrada e brilhante. Fala como se tivesse lido todos os livros do mundo e ainda achasse tudo um tédio. Daria inveja ao Brás Cubas pela ausência de propósito, e ao mesmo tempo, pela ousadia de existir assim mesmo. BENTO – Leitor voraz de frases prontas, espiritualizado por t...