BEBÊS REBORNS E OS JOGOS DO INCONSCINETE NA HIPERMODERNIDADE
A PRINCÍPIO.
“Imagine segurar nos braços um bebê
de silicone que aquece, pesa, respira — mas jamais crescerá nem morrerá: o que
esse simulacro diz de nós?”
A contemporaneidade tem sido
palco de diversos fenômenos que revelam novas formas de relação entre sujeitos
e objetos. Entre estes, destaca-se o fenômeno dos bebês reborn - bonecos
hiper-realistas que imitam com impressionante fidelidade recém-nascidos reais.
Com peso semelhante ao de um bebê, pele texturizada com veias aparentes,
cabelos implantados fio a fio e, em alguns casos, até sistemas que simulam
respiração ou calor corporal, estes objetos transcendem a categoria de simples
brinquedos para ocuparem um espaço peculiar no imaginário coletivo e nas
práticas afetivas contemporâneas.
Surgidos como forma de arte nos
anos 1990, os reborns ganharam popularidade mundial através das redes
sociais, tornando-se objetos multifacetados: de itens de coleção e objetos
artísticos a companheiros afetivos e ferramentas terapêuticas. O presente
ensaio busca analisar este fenômeno sob uma perspectiva psicanalítica,
simbólica e sociocultural, investigando os jogos inconscientes subjacentes à
prática de "adotar" e cuidar destes bonecos como se fossem filhos.
Mais que um fenômeno isolado, os
bebês reborn são sintomas de uma época que Gilles Lipovetsky denominou
"hipermodernidade" - caracterizada pela radicalização das dinâmicas
da modernidade: aceleração dos fluxos, fragmentação do tempo, hiperindividualismo,
volatilidade das identidades e culto à experiência efêmera. Nesta sociedade
"em excesso", marcada pela intensificação de todos os processos —
consumo, informação, espetáculo, sensorialidade, subjetividade — o real perde
sua solidez e tudo tende à estetização e à simulação. É neste contexto que
podemos compreender plenamente o fascínio exercido por objetos que borram as
fronteiras entre o vivo e o inanimado, entre o original e sua cópia, entre o
desejo e sua materialização.
O OBJETO TRANSICIONAL NA ERA
DIGITAL
Donald Winnicott cunhou o
conceito de objeto transicional para descrever aqueles itens (como fraldas,
ursinhos ou bonecas) aos quais a criança atribui valor especial para lidar com
a separação materna e a ansiedade. Tais objetos servem como ponte simbólica
entre a realidade interna (fantasia) e a realidade externa, ajudando a criança
a transitar para a autonomia sem perder totalmente a sensação de segurança
proveniente da figura materna.
Na hipermodernidade, os bebês
reborn parecem recuperar esta função transicional, agora para adultos.
Psicólogos sugerem que um boneco hiper-realista pode funcionar, também para
adultos, como objeto transicional, intermediando experiências emocionais dolorosas
e oferecendo conforto diante de perdas ou carências. De acordo com a psicóloga
Melissa Tenório, o bebê reborn "auxilia o sujeito a lidar com a dor, o
vazio ou a ausência, sem que isso represente necessariamente um adoecimento
psíquico" – ou seja, pode ser um objeto simbólico de afeto e elaboração
emocional útil em certos contextos.
Winnicott observou que, na
infância, o objeto transicional pertence a uma área intermediária "não
totalmente interna nem totalmente externa" – uma área de ilusão onde a
criatividade e o brincar imperam. Análogo a isso, para muitos adultos, segurar
e cuidar de um reborn cria um espaço psicológico híbrido, onde a fantasia de
ter um bebê e a consciência de que é um boneco coabitam. Esse espaço potencial
permite a expressão de afetos e cuidados reprimidos, funcionando como um ensaio
emocional para lidar com sentimentos de forma protegida.
Contudo, na era digital onde
simulacros e realidade se confundem cada vez mais, os limites desse espaço
potencial podem se tornar tênues. A psicanálise alerta que, se o processo
transicional falha – isto é, se o objeto deixa de ser uma passagem temporária e
passa a substituir de forma fixa a realidade –, podem surgir entraves ao
desenvolvimento emocional saudável.
FETICHISMO E MECANISMOS DE
DEFESA
Em seu ensaio de 1927 sobre o
fetichismo, Sigmund Freud descreveu o fetiche como um objeto escolhido
inconscientemente para substituir algo ausente cuja falta é insuportável para o
sujeito (originalmente, "o fetiche é um substituto do pênis da mãe",
na teoria freudiana). Ampliando simbolicamente este conceito, o apego excessivo
ao reborn pode ser visto como uma manifestação fetichista, no sentido de que a
pessoa sabe que o boneco não é um bebê real, mas age "como se" fosse,
numa tentativa de negar uma falta ou perda insuportável.
O psicanalista Eduardo Casarotto
interpreta que o reborn, nessa lógica, representa "a tentativa desesperada
de remendar vazios emocionais que não foram trabalhados na vida
consciente". Longe de ser um brinquedo inocente, torna-se um fetiche de um
desejo infantilizado de controle sobre o outro – um 'outro' que, sendo boneco,
jamais decepcionará, jamais crescerá, jamais abandonará.
A hipermodernidade, caracterizada
pela instantaneidade, efemeridade das relações e medo constante do abandono,
cria um terreno fértil para este tipo de substituição fetichista. Quando as
relações humanas se tornam cada vez mais líquidas, no sentido proposto por
Bauman, objetos controlados como os reborns oferecem a fantasia de um vínculo
estável.
No uso dos bebês reborn,
identificamos diversos mecanismos de defesa em ação:
A negação: por exemplo, uma mãe
enlutada pela morte de um filho pode, mesmo que parcialmente, negar
psiquicamente essa perda mantendo um reborn em seus braços. A famosa fórmula de
Freud para a desmentida fetichista – "Sei muito bem que não é, mas mesmo
assim..." – parece ecoar nos casos em que a pessoa admite racionalmente
que o reborn "é só uma boneca", mas age e sente como se fosse um
bebê, evitando encarar o vazio deixado pela ausência real. Essa negação está
intimamente ligada à recusa simbólica do luto, outro elemento observado: ao
invés de elaborar a dor da perda, o indivíduo recria uma situação na qual tal
perda não precisa ser aceita.
A regressão: Vários analistas
notam que adotar comportamentos de cuidar de um bebê – alimentar, ninar, trocar
fraldas de um boneco – pode significar uma regressão psíquica a estágios
primitivos do desenvolvimento emocional. Casarotto sugere que há casos de
regressão à fase oral, em que a relação com o boneco denota um retorno a
necessidades infantis de cuidado e dependência, talvez como forma de buscar, no
presente, o colo ou a segurança não plenamente obtidos no passado.
A projeção: conteúdos internos (a
criança ferida dentro da pessoa, ou o desejo materno insatisfeito) são
projetados na figura do reborn, permitindo ao indivíduo interagir com partes de
si mesmo como se estivessem fora dele. De fato, segundo Casarotto, muitas vezes
"a pessoa transfere a falta daquele familiar perdido, querido, pra cima do
boneco".
O HIPER-REALISMO, O SIMULACRO
E O ESTRANHAMENTE FAMILIAR
A impressionante estética
hiper-realista dos bebês reborn transcende o mero feito técnico-artístico,
exercendo profundo impacto psicológico. Diferentemente de bonecas tradicionais
com feições claramente lúdicas, os reborns são elaborados meticulosamente para
parecerem bebês autênticos – desde características visuais (tonalidade da pele,
veias, cabelo, expressão facial) até qualidades táteis e olfativas (peso
similar, maciez, fragrância de talco).
O hiper-realismo, inicialmente
uma corrente nas artes plásticas e visuais (com artistas como Duane Hanson e
Chuck Close), designa a busca pela reprodução minuciosa, quase fotográfica, do
real. Na hipermodernidade, esse hiper-realismo expande-se para diversas
esferas: mídia, publicidade, relações interpessoais e, como observamos, para o
universo dos objetos afetivos. Não se trata apenas de copiar o real, mas de
superá-lo, oferecendo experiências e objetos mais intensos e sensoriais que a
própria vida – é o "real mais real que o real", como pontua
Lipovetsky.
No silêncio do quarto, um bebê
inanimado pisca veias azuladas sob a pele e parece ansiar pelo colo: quantos
afetos cabem em um corpo que não pulsa?”
Walter Benjamin, em seu ensaio
"A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica" (1935), já
antevia questões fundamentais para compreendermos o fenômeno reborn. Ao
discutir como a reprodução técnica eliminava a "aura" original das
obras de arte, Benjamin apontava para uma transformação na percepção humana: a
busca pela proximidade e pela posse do objeto em detrimento de sua
singularidade distante. O bebê reborn materializa esse paradoxo benjaminiano: é
uma reprodução técnica sem original que, no entanto, busca recriar
artificialmente uma "aura" de autenticidade e singularidade. Cada
reborn é comercializado como "único", "artesanal", embora
seja, fundamentalmente, uma reprodução de um bebê idealizado que nunca existiu
concretamente.
O boneco reborn exemplifica com
precisão o que Jean Baudrillard denominou "simulacro" - não uma
simples cópia do real, mas a construção de uma realidade paralela baseada em
signos e modelos. No universo hipermoderno, vivemos na "era dos simulacros",
em que imagens e narrativas simulam a realidade até suplantá-la. O simulacro
constitui um jogo de espelhos onde a referência original se perde: desaparece a
distinção clara entre "real" e simulação. "O real não
desaparece, mas se dissolve no hiper-real, no virtual, no espetáculo",
afirma Baudrillard.
Este hiper-realismo potencializa
o fenômeno que Freud denominou "unheimlich" (o estranhamente
familiar): algo inanimado que se assemelha demasiadamente ao vivo provoca
simultaneamente fascínio e perturbação. A aparência vívida do boneco satisfaz o
desejo de realidade da fantasia ("é um bebê!"), mas sua natureza
inerte inevitavelmente evoca uma estranheza sutil – um lembrete de que
"não é bebê". Esse contraste define o inquietante: o reborn
"falha" em estar vivo, e justamente essa falha invisível nos interpela
profundamente, reacendendo antigas angústias sobre vida e morte, sobre aquilo
que aparenta mas não é.
Benjamin também discutiu como as
tecnologias modernas transformam nossa percepção através do "choque"
– a experiência fragmentada, descontínua e superficial que caracteriza a
modernidade. O bebê reborn, como objeto hiper-real, produz um tipo específico
de choque perceptivo: a oscilação constante entre reconhecê-lo como humano e
percebê-lo como simulacro. Essa oscilação perceptiva, que Benjamin identificava
no cinema e na fotografia, encontra no reborn uma manifestação tátil e
tridimensional.
Na hipermodernidade, onde a
fronteira entre real e simulado se torna cada vez mais porosa através de
tecnologias como realidade virtual e inteligência artificial, os reborns
materializam esta ambiguidade contemporânea. São simulacros que não apenas
copiam a realidade, mas a antecedem, criando uma "hiper-realidade" na
qual o modelo supera o original. Em muitos casos, o bebê reborn pode se tornar
"mais bebê" que um bebê real, pois encarna a perfeição idealizada da
infância - sem choro inconsolável, sem cólicas, sem o inevitável
desenvolvimento que o afastará da condição de bebê.
O INCONSCIENTE NA ERA DO
SIMULACRO
Na perspectiva da psicologia
analítica de Carl Jung, dois arquétipos evidentes no fenômeno são o da Mãe e o
da Criança. Jung identificou a imagem da mãe cuidadora e do bebê vulnerável
como padrões universais do inconsciente coletivo, que se manifestam em mitos,
sonhos e comportamentos humanos recorrentes.
O anseio de algumas pessoas por
ter nos braços um bebê perfeito e eternamente disponível evoca a criança
arquetípica, muitas vezes simbolizando renovação, inocência e potencial não
realizado. Simultaneamente, evoca-se a Grande Mãe – o instinto de nutrir,
proteger e dar vida. Pode-se interpretar que o reborn ativa na psique tanto a
mãe interna quanto o filho interno.
A hipermodernidade, contudo, não
elimina o inconsciente; ao contrário, reconfigura suas manifestações. O excesso
de imagens, a proliferação dos simulacros e o hiper-realismo ativam novas
formas de expressão do inconsciente — tanto individual quanto coletivo. Como
observa James Hillman, na era do simulacro, o inconsciente é cada vez mais
colonizado por imagens externas — arquétipos midiáticos — que moldam desejos,
angústias e identidades, muitas vezes sem mediação crítica. O resultado é o que
pós-junguianos chamam de "psique saturada de imagens": não há falta
de imaginação, mas excesso de imagens que interditam o trabalho simbólico
profundo.
Há casos em que o boneco
representa, para a pessoa, seu eu infantil – e ao cuidar dele, ela reencena a
relação materna que gostaria de ter tido. Em outros, o boneco corporifica o
filho imaginário que existe dentro do desejo materno – o arquétipo do Filho
Divino, perfeito e imaculado, que muitas culturas celebram em figuras como o
bebê Jesus ou os "meninos-dentro-da-gente" das lendas.
Contudo, quando esse arquétipo se
fixa e literaliza, emerge o que Jung chamou de Puer Aeternus - o menino eterno.
Isso lembra o conceito do Puer Aeternus, o eterno menino que, na obra de Jung e
Marie-Louise Von Franz, é sedutor mas trágico por evitar os amadurecimentos da
vida. O reborn, sendo um bebê que jamais crescerá ou frustrará, encarna um
aspecto pueril congelado no tempo. Psicologicamente, isso pode representar uma
fixação do arquétipo sem permitir sua evolução – a criança divina que deveria
sinalizar renovação vira a criança congelada que impede o progresso.
No contexto hipermoderno, onde
Freud via no inconsciente o reino do desejo e do recalcado, e Jung, a dimensão
dos arquétipos e da imaginação simbólica, observamos um fenômeno novo: objetos
hiper-realistas (como os bebês reborn), experiências virtuais e narrativas
midiáticas atuam como objetos transicionais globais, canais através dos quais o
inconsciente contemporâneo tenta processar perdas, ansiedades e desejos —
porém, frequentemente, sob a forma de simulacro, isto é, sem acessar o
simbólico verdadeiro.
Um paralelo mitológico
esclarecedor é o da deusa Deméter: inconformada com a perda da filha Perséfone,
Deméter encontra consolo cuidando de um bebê mortal (Demofonte) e tenta
torna-lo imortal, colocando-o no fogo diariamente. Ela busca um substituto eterno
para sua filha – um bebê que nunca morra. Entretanto, no mito, essa ilusão é
quebrada e Deméter precisa encarar o luto para restaurar a ordem natural.
Similarmente, o cuidador de reborn pode estar tentando "imortalizar"
um vínculo através do boneco hiper-real, mantendo-o estático e perfeito, quando
a verdadeira tarefa psíquica seria enfrentar a impermanência e elaborar a dor
da perda ou da impossibilidade.
PERFORMANCE DA MATERNIDADE NA
ERA DIGITAL
A hipermodernidade é
profundamente marcada pelas performances sociais em ambientes digitais. Nos
últimos anos, plataformas como YouTube, TikTok e Instagram viram proliferar
vídeos de rotinas maternas encenadas com reborns: "mães" trocando
fraldas, preparando mamadeiras, levando os bonecos para passear de carrinho ou
mesmo celebrando mesversários e aniversários de 1 ano – tudo rigorosamente
gravado. Esses vídeos muitas vezes seguem roteiros bem pensados, com estética
caprichada, visando engajar um público curioso e gerar monetização.
Há, assim, um viés comercial e
performático: quanto mais realista e peculiar a encenação, mais visualizações;
e isso se traduz em venda de bonecos, acessórios e cursos. Formou-se um nicho
de mercado altamente lucrativo, com seguidoras fiéis, fóruns especializados e
produtos variados – de "ultrassons" simbólicos para futuras
colecionadoras grávidas de reborn até creches fictícias que "cuidam"
dos bonecos, numa paródia elaborada da estrutura parental real.
Este fenômeno expressa uma
característica fundamental da hipermodernidade: a capacidade de transformar
experiências íntimas e processos psíquicos em performances públicas e produtos
consumíveis. Uma influenciadora brasileira, conhecida como Nane Reborns,
descreve esse movimento como uma "grande novela, tudo fictício",
explicando que as colecionadoras de sua comunidade enxergam claramente que são
bonecas e não abandonam suas atividades diárias ou identidade real por causa
dos reborns. Para muitas delas, é um hobby lúdico e consciente, comparável a
quem coleciona carros antigos ou figura de ação e participa de encontros
temáticos.
Contudo, a exposição pública
dessas práticas muitas vezes gera incompreensão e patologização automática.
Essa vertente performática tem gerado, porém, polêmica pública. Vídeos virais,
como o de uma jovem levando seu reborn "doentinho" ao hospital,
receberam enxurradas de comentários atacando a moça como "louca" ou
dizendo "vai se tratar". Posteriormente, revelou-se que ela não
acreditava de fato que o boneco estava doente – tudo não passou de um role-play
(encenação) feito durante a visita real a uma maternidade, com conhecimento de
que era ficção.
Esse episódio expõe o choque
cultural: grande parte do público leigo tem dificuldade em compreender que
adultos brinquem de forma tão elaborada, ainda mais com algo tão carregado de
significado (um bebê), e tende a patologizar imediatamente a conduta. A influenciadora
Y.B., protagonista do caso, esclareceu à imprensa: "eu sei que é um boneco
de plástico e que não tem nada a ver com maternar... o problema é que todo
mundo acredita que o que vê na internet é real". Ou seja, paradoxalmente o
público confundiu encenação com delírio, rotulando-a injustamente.
LUTO, SOLIDÃO E MEDICALIZAÇÃO
DO AFETO
Na sociedade hipermoderna,
marcada pelo individualismo e fragilidade dos laços, os bebês reborn
frequentemente surgem como resposta a experiências de luto e solidão. Não é
coincidência que muitos interessados em reborns sejam mulheres que passaram por
abortos espontâneos, partos de natimorto ou perdas neonatais, bem como aquelas
que enfrentaram a impossibilidade de ter filhos (infertilidade, histerectomia,
menopausa precoce) ou que sofrem com o "ninho vazio" após os filhos
crescerem.
Nessas situações de vazio
insuportável, o boneco surge como uma forma de ressignificar a dor: ele se
torna um representante do vínculo que não pôde se concretizar, permitindo uma
espécie de despedida ou continuidade simbólica daquele bebê ausente. Por exemplo,
psicólogos relatam que, em casos de luto perinatal (perda gestacional ou de
recém-nascido), segurar um reborn ajuda algumas mães a externalizar o luto:
elas podem vestir, embalar e até realizar um "quase-velório"
simbólico, processando a morte de forma concreta e gradual.
O isolamento social da vida
contemporânea também emerge como fator relevante: O isolamento social agravado
pela vida urbana e, recentemente, pela pandemia de COVID-19, deixou muitas
pessoas sem suas redes tradicionais de suporte emocional. Em 2020, o lockdown
forçou milhares a encarar sentimentos intensos de solidão, medo e luto.
Observou-se, segundo psicólogos, que a pandemia agiu como "fator
catalisador" para algumas pessoas se aproximarem dos reborns como
"formas alternativas de conexão emocional".
Particularmente preocupante é o
que podemos chamar de "medicalização do afeto" na hipermodernidade.
Há notícias de um mercado obscuro e antiético se aproveitando da
vulnerabilidade de pessoas enlutadas ou solitárias, prometendo que um reborn "cura
depressão", resolve traumas de aborto ou substitui a necessidade de ajuda
profissional. Empresas e vendedores inescrupulosos podem reforçar a ilusão ao
afirmar, por exemplo, que "ter um reborn é melhor que antidepressivo"
ou que "esse boneco vai preencher o vazio da sua perda". Tais
promessas são perigosas e enganosas: nenhum boneco substitui psicoterapia,
nenhum objeto resolve um trauma, como ressalta um artigo.
Quando o afeto vira produto, é
sinal de que o vínculo humano falhou, já disse a filósofa Márcia Tiburi. Nessa
lógica de capitalismo afetivo, o consolo simbólico é mercantilizado – e o que
poderia ser terapêutico transforma-se em vício emocional e consumo.
DIMENSÃO ÉTICA E SOCIAL: OS
REBORNS COMO SINTOMAS DO COLAPSO ANTROPOLÓGICO
Para além da análise psicológica
individual, é imperativo estabelecer um princípio ético: a popularidade dos
reborns não deve ser simplesmente medicalizada. Quando um comportamento emerge
como fenômeno de massa, transcende a esfera individual e exige um olhar
sociológico. A questão crucial não é se as pessoas devem usar bebês reborn, mas
sim que mundo estamos construindo onde tais objetos se tornam consolo
existencial. Nossa tarefa urgente reside em compreender e transformar as causas
sociais que produzem esses sintomas, não em patologizá-los.
“Entre o toque gelado do vinil e a
ilusão de vida, bebês reborn borram as fronteiras entre o consolo e o abismo —
você já se perguntou quem precisa de quem nesse jogo?”
Walter Benjamin, em suas análises
sobre a modernidade, particularmente em "O Narrador" (1936),
identificou uma progressiva perda da experiência autêntica (Erfahrung) em favor
da vivência fragmentada e empobrecida (Erlebnis). Na hipermodernidade, os bebês
reborn podem ser interpretados como tentativas de recuperar uma experiência de
afeto e cuidado que se tornou cada vez mais rara. Como Benjamin observou,
"a experiência está em baixa" – o vínculo contínuo, transmissível e
comunitário cedeu lugar a uma série de choques isolados, que encontram nos
objetos hiper-realistas uma compensação material.
Os bebês reborn funcionam como
sintomas de uma desumanização sistêmica. Forjamos uma civilização que nos
dessensibilizou como espécie. Na vida privada, a hiperconexão digital
paradoxalmente nos isolou em bolhas de "solidão líquida", como descreveu
Bauman. No mercado de trabalho, a lógica produtivista nos transformou em
extensões de algoritmos, onde "eficiência" significa supressão da
subjetividade. Como frequentemente se ouve em ambientes corporativos:
"Você está aqui para produzir, não para fazer amigos". Na educação,
substituímos a formação humanística por pedagogias tecnicistas, reduzindo
mentes a bancos de dados ambulantes.
Este cenário cria o paradoxo
histórico que observamos hoje: ao criar máquinas que imitam humanos,
tornamo-nos humanos que imitam máquinas. As epidemias de solidão e transtornos
mentais não são meras coincidências - são sinais vitais de uma civilização em
colapso antropológico. Nenhum remédio individual resolverá um mal-estar
civilizatório.
Benjamin antecipou essa condição
ao discutir como a modernidade técnica aliena o homem de sua própria
experiência sensível. O declínio da narrativa tradicional, que pressupunha uma
comunidade de ouvintes e narradores compartilhando experiências, deu lugar a
formas de comunicação que não se sedimentam na memória coletiva nem produzem
sabedoria transmissível. Os reborns emergem como objetos transicionais
coletivos nesse contexto de empobrecimento narrativo – são tentativas de
materializar histórias afetivas que não conseguimos mais narrar ou
compartilhar.
Esses simulacros hiper-realistas
preenchem três carências modernas fundamentais:
- Necessidade de cuidado em uma sociedade que
idolatra a autossuficiência patológica
- Fome de tangibilidade em meio a relacionamentos
mediados por telas
- Desejo de inocência como antídoto para um mundo
cínico e hiperestimulado
A polêmica dos bebês reborn
revela dimensões profundas da condição contemporânea. Simboliza como,
frequentemente, nos apegamos a relações ou situações desprovidas de vida, mas
que insistimos em manter por medo ou apego. Quantas vezes tentamos reviver um relacionamento
que já havia terminado emocionalmente? Assim como um bebê reborn, parecia real,
mas carecia de vida. Cuidar de um "reborn emocional" pode
proporcionar uma falsa sensação de controle e segurança, evitando enfrentar a
dor da perda ou da transformação necessária.
Benjamin observaria aqui o que
chamou de "pobreza de experiência" – a incapacidade do homem moderno
de transformar vivências em experiência integrada e transmissível. O apego ao
simulacro revela nossa dificuldade em elaborar narrativamente as perdas e
transformações, substituindo a elaboração simbólica pela reificação material.
Manter-se preso a vínculos que
não evoluem assemelha-se a cuidar de algo que não cresce, não se transforma e
não responde ao seu amor. O fenômeno reborn torna-se, portanto, metáfora
potente para diversos aspectos da sociedade contemporânea, onde frequentemente
nutrimos ilusões de vitalidade onde há apenas simulacro, seja em
relacionamentos pessoais, instituições sociais ou sistemas econômicos.
Isto nos coloca diante de um
imperativo ético coletivo: ou nos reumanizamos através da reconstrução de laços
comunitários, da valorização da vulnerabilidade e da ressignificação do
conceito de "produtividade", ou nos tornaremos cada vez mais dependentes
de próteses emocionais como os reborns. A escolha não é meramente individual,
mas civilizacional.
Liberar-se de vínculos estagnados
constitui um ato de amor próprio. Permite que o novo adentre, que a vida flua e
que possamos nos reconectar com nossa essência. No contexto mais amplo,
significa reimaginar nossos laços sociais e estruturas comunitárias para nutrir
genuinamente nossas necessidades humanas de pertencimento, reconhecimento e
afeto autêntico.
O fenômeno reborn nos convida a
questionar: que tipo de sociedade estamos construindo onde o simulacro se torna
preferível ao real? Quais transformações sociais seriam necessárias para que
não precisássemos de substitutos hiper-realistas para suprir carências
emocionais fundamentais? Estas questões transcendem a psicologia individual e
nos convocam a um debate ético, político e social sobre o futuro de nossas
relações e instituições.
ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR
Essas referências podem subsidiar
discussões e projetos interdisciplinares sobre infância, educação afetiva,
simbolização e cultura do simulacro — permitindo diálogos críticos entre
psicologia, pedagogia e as artes na hipermodernidade. A integração dessas
perspectivas teóricas possibilita uma compreensão mais ampla e matizada do
fenômeno dos bebês reborn, ultrapassando visões reducionistas e abrindo espaço
para uma análise que contemple tanto aspectos psíquicos individuais quanto
dimensões históricas, sociais e culturais.
Através deste diálogo entre
campos do conhecimento, é possível não apenas compreender os bebês reborn como
objetos isolados, mas como sintomas de transformações profundas nas relações
humanas, nas concepções de maternidade, infância e afeto, e nos modos de lidar
com perdas, ausências e desejos na contemporaneidade hipermoderna
“Olhos de vidro, veias pintadas,
respiração inventada: quando um simulacro acalma o peito, quem realmente está
sendo cuidado?”
Para além da análise psicológica
individual, é imperativo estabelecer um princípio ético: a popularidade dos
reborns não deve ser simplesmente medicalizada. Quando um comportamento emerge
como fenômeno de massa, transcende a esfera individual e exige um olhar
sociológico. A pergunta crucial não é se as pessoas devem usar bebês reborn,
mas sim que mundo estamos construindo onde tais objetos se tornam consolo
existencial. Nossa tarefa urgente não é patologizar sintomas, mas compreender e
transformar as causas sociais que os produzem.
Os bebês reborn funcionam como
sintomas de uma desumanização sistêmica. Nas últimas décadas, forjamos uma
civilização que nos dessensibilizou como espécie. Na vida privada, a
hiperconexão digital paradoxalmente nos isolou em bolhas de "solidão líquida",
como bem descreveu Bauman. No mercado de trabalho, a lógica produtivista nos
transformou em extensões de algoritmos, onde "eficiência" significa
supressão de subjetividade. Como frequentemente se ouve em ambientes
corporativos: "Você está aqui para produzir, não para fazer amigos".
Na educação, substituímos a formação humanística por pedagogias tecnicistas,
reduzindo mentes a bancos de dados ambulantes.
Este cenário cria o paradoxo
histórico que observamos hoje: ao criar máquinas que imitam humanos, nos
tornamos humanos que imitam máquinas. As epidemias de solidão e transtornos
mentais não são meras coincidências - são sinais vitais de uma civilização em
colapso antropológico. Nenhum remédio individual resolverá um mal-estar
civilizatório.
Os reborns surgem neste contexto
como objetos transicionais coletivos. Não se trata de meros bonecos, mas de
simulacros hiper-realistas que preenchem três carências modernas fundamentais:
- Necessidade de cuidado em uma sociedade que
idolatra a autossuficiência patológica
- Fome de tangibilidade em meio a relacionamentos
mediados por telas
- Desejo de inocência como antídoto para um mundo
cínico e hiperestimulado
A polêmica dos bebês reborn
revela mais do que parece. Simboliza como, muitas vezes, nos apegamos a
relações ou situações que já não têm vida, mas que insistimos em manter por
medo ou apego. Quantas vezes já tentamos reviver um relacionamento que, na verdade,
já havia terminado emocionalmente? Assim como um bebê reborn, parecia real, mas
faltava vida. Cuidar de um "bebê reborn" emocional pode dar a falsa
sensação de controle e segurança, evitando enfrentar a dor da perda ou da
mudança necessária.
Manter-se preso a vínculos que
não evoluem pode ser exaustivo. É como cuidar de algo que não cresce, não muda
e não responde ao seu amor. O fenômeno reborn, portanto, torna-se metáfora
potente para diversos aspectos da sociedade contemporânea, onde frequentemente
nutrimos ilusões de vitalidade onde há apenas simulacro, seja em
relacionamentos pessoais, instituições sociais ou sistemas econômicos.
Isto nos coloca diante de um
imperativo ético coletivo: ou nos reumanizamos através da reconstrução de laços
comunitários, da valorização da vulnerabilidade e da ressignificação do que é
"produtividade", ou nos tornaremos cada vez mais dependentes de
próteses emocionais como os reborns. A escolha não é meramente individual, mas
civilizacional.
Liberar-se de vínculos estagnados
- tanto com pessoas quanto com objetos - é um ato de amor próprio. É permitir
que o novo entre, que a vida flua e que possamos nos reconectar com nossa
essência. No contexto mais amplo, isso significa reimaginar nossos laços
sociais, sistemas econômicos e estruturas comunitárias de forma a nutrir
genuinamente nossas necessidades humanas de pertencimento, reconhecimento e
afeto autêntico.
O fenômeno reborn nos convida a
questionar: que tipo de sociedade estamos construindo onde o simulacro se torna
preferível ao real? Quais transformações sociais seriam necessárias para que
não precisássemos de substitutos hiper-realistas para suprir carências
emocionais fundamentais? Estas questões ultrapassam a psicologia individual e
nos convocam a um debate ético, político e social sobre o futuro de nossas
relações e instituições.# Bebês Reborn e os Jogos do Inconsciente na
Hipermodernidade
OS JOGOS DO INCONSCIENTE NA
HIPERMODERNIDADE
Os bebês reborn constituem um
fenômeno paradigmático da hipermodernidade. Expressam simultaneamente dinâmicas
inconscientes identificadas pela psicanálise clássica e psicologia analítica -
objetos transicionais, fetichismo, projeção, arquétipos da Mãe e da Criança - e
manifestam características específicas de nosso tempo: performatividade digital
da identidade, mercantilização do afeto, busca por vínculos controlados e
previsíveis em um mundo de relações líquidas.
Walter Benjamin, ao analisar a
perda da "aura" na modernidade técnica, oferece uma chave
interpretativa adicional para este fenômeno. Em "A obra de arte na era de
sua reprodutibilidade técnica", Benjamin observa que a reprodução técnica,
ao aproximar e democratizar o acesso às imagens, elimina o caráter único,
distante e ritualístico da obra autêntica. O reborn representa o paroxismo
dessa transformação: é uma reprodução sem original, um objeto de culto afetivo
destituído da imprevisibilidade da vida autêntica. Encarna perfeitamente o que
Benjamin chamava de "destruição da aura", substituindo a experiência
única e irrepetível (como a da maternidade real) por uma versão tecnicamente
reproduzível, controlável e comercializável.
Os bebês reborn, com todo o
estranhamento e fascínio que provocam, escancaram feridas emocionais
contemporâneas: maternidades frustradas, lutos não elaborados, afetos
desconectados, desejos silenciosos de cuidar e ser cuidado.
Na hipermodernidade, o sujeito
encontra-se dividido entre o narcisismo da autoimagem, a dependência dos
objetos-simulacros e a fragmentação identitária cada vez mais intermediada por
dispositivos tecnológicos e práticas hiper-realistas. Como afirma Lipovetsky,
vivemos em uma sociedade "em excesso", onde a intensificação de todos
os processos torna o real menos sólido e mais propenso à estetização e
simulação.
Benjamin antecipou essa condição
ao discutir o declínio da "experiência" (Erfahrung) em favor da
"vivência" (Erlebnis) - fragmentos desconexos de sensações que não se
integram em uma narrativa coerente. Essa "pobreza de experiência" que
Benjamin identificou como característica da modernidade técnica encontra no
fenômeno reborn uma materialização eloquente: a incapacidade de elaborar
narrativamente perdas e desejos gera a necessidade de uma reificação
compensatória através de objetos hiper-reais.
Neste contexto, o inconsciente
contemporâneo opera menos como produtor de símbolos autênticos e mais como
receptor de imagens impostas pelo ambiente midiático e tecnocultural. No
fenômeno reborn, vislumbramos essa dialética: por um lado, há uma expressão
genuína de necessidades emocionais profundas; por outro, uma materialização
dessas necessidades através de objetos hiper-realistas que funcionam como
simulacros do desejo original.
Segundo Baudrillard, vivemos na
"era dos simulacros", em que imagens e narrativas simulam a realidade
a ponto de suplantá-la. O bebê reborn exemplifica esta condição: não é apenas
um símbolo da criança desejada, mas um substituto que pretende superar o
original, oferecendo uma experiência "mais bebê que o bebê" -
controlada, idealizada e permanente.
O fenômeno reborn não deve ser
tratado com romantização ingênua nem com escárnio cruel. Requer um olhar
simultaneamente clínico e empático, que considere contexto, função e grau de
envolvimento específicos. O que parece estranho para alguns pode constituir,
para outros, um fio tênue de sanidade – a forma encontrada por uma psique em
sofrimento para manter-se funcionando, ainda que imperfeitamente.
“No escuro de um berço solitário,
pulsa o silêncio de um bebê que nunca chora: até onde vai nossa fome de afeto?”
Parafraseando Hillman, poderíamos
dizer que "na hipermodernidade, o inconsciente não é mais o espaço do
inconfessável reprimido, mas o repositório de imagens hiper-realistas e
simulacrais, onde o desejo é colonizado por modelos midiáticos e o simbólico
cede espaço ao espetáculo. Somos sonâmbulos do virtual: brincamos de real com
simulacros, enquanto o inconsciente tenta, em vão, recordar a diferença entre
presença e representação."
Acima de tudo, os bebês reborn
revelam uma verdade profunda sobre a condição humana contemporânea: talvez não
estejamos falando apenas de bonecos, mas de amor, ausência e tentativas – ainda
que imperfeitas – de cicatrizar o invisível. Compreender esses "jogos do
inconsciente" nos ajuda a ampliar a compaixão e a buscar formas mais
saudáveis de preencher as lacunas afetivas em nossa sociedade. Afinal, se há
algo que um bebê de silicone nos recorda, é que a necessidade de vínculo e
cuidado permanece profundamente real – tão real que, na falta de alternativas,
o ser humano cria elaboradas ilusões para satisfazê-la. Reconhecer essa verdade
pode ser o primeiro passo para curar as feridas que essas ilusões tentam
cobrir.
Sugestões de Leitura para
Aprofundamento
Para aqueles que desejam
aprofundar-se nas temáticas abordadas neste ensaio, apresentamos um conjunto de
referências fundamentais em psicologia e educação, todas conectadas ao debate
sobre infância, objeto transicional, simulacro, hiper-realismo e os jogos do
inconsciente na hipermodernidade.
PSICOLOGIA E FILOSOFIA
- Donald Winnicott – "O Brincar e a
Realidade" (Playing and Reality, 1971)
Obra fundamental para compreender o conceito de objeto transicional e a zona intermediária entre fantasia e realidade. Winnicott descreve como crianças (e adultos) utilizam objetos simbólicos para lidar com perdas, transições afetivas e a construção do self. Referência direta para analisar o uso dos bebês reborn como "ponte" entre o real e o imaginário. - Jean Baudrillard – "Simulacros e
Simulação" (Simulacres et Simulation, 1981)
Embora seu enfoque seja filosófico, Baudrillard tornou-se essencial também para a psicologia cultural, ao propor que vivemos imersos em simulacros que substituem a experiência direta. Suas ideias permitem analisar como o hiper-realismo e os "bebês reborn" participam da lógica do simulacro, modelando desejos, identidades e afetos inconscientes. - Marion Woodman – "Addiction to Perfection: The
Still Unravished Bride" (1982)
Psicóloga junguiana, Woodman investiga a busca por perfeição, a dissociação do corpo e as feridas do feminino. Sua abordagem sobre o feminino ferido, a necessidade de cuidado e os riscos de literalizar símbolos ilumina os processos inconscientes envolvidos na obsessão por objetos hiper-realistas e pela maternidade idealizada na hipermodernidade.
EDUCAÇÃO
- Lev Vygotsky – "A Formação Social da
Mente" (Mind in Society, 1934/1978)
Vygotsky analisa o papel do brinquedo, do jogo simbólico e da imaginação na constituição da subjetividade e do pensamento. Sua teoria da zona de desenvolvimento proximal permite entender como os objetos (inclusive os simulacros hiper-realistas) participam da aprendizagem, do afeto e da elaboração de conflitos internos. - Philippe Ariès – "História Social da Criança e
da Família" (L'Enfant et la Vie Familiale sous l'Ancien Régime, 1960)
Ariès investiga a construção histórica da infância e a transformação do olhar social sobre crianças, brinquedos e maternidade. Sua obra é essencial para refletir sobre o surgimento dos reborns como sintoma da nova sensibilidade hipermoderna e da infância como espaço de projeção do adulto. - Catherine Garvey – "Play" (1977)
Referência clássica sobre o brincar infantil e sua importância no desenvolvimento social, emocional e cognitivo. Garvey discute como o jogo de faz-de-conta e o uso de bonecos/bonecas são fundamentais para a expressão simbólica, a elaboração de papéis e a experimentação do real, antecipando questões que ressoam no fenômeno dos reborns.
Para
aprofundar:
LITERATURA
1) Ian McEwan – A Criança no
Tempo (The Child in Time, 1987)
Romance que explora o luto, o vazio e a elaboração psíquica após a perda de um
filho, trazendo questões sobre substituição simbólica, tempo fragmentado e a
persistência do infantil no inconsciente adulto.
2) Kazuo Ishiguro – Não Me
Abandone Jamais (Never Let Me Go, 2005)
Neste romance distópico, clones humanos são criados para servir como “reservas
de órgãos”, mas desenvolvem afetos, memórias e relações, questionando o que é
real e o que é simulado, além dos mecanismos psíquicos de negação e busca por
pertencimento.
3) Elfriede Jelinek – As
Amantes (Die Liebhaberinnen, 1975)
A autora austríaca expõe a solidão, o desejo e a opressão do feminino,
ironizando a maternidade idealizada e o vazio existencial das relações
substitutivas em sociedades hiperconsumistas.
CINEMA
1) Lars and the Real Girl
(Lars e a Garota Real, 2007, dir. Craig Gillespie)
O protagonista estabelece uma relação afetiva com uma boneca hiper-realista
(uma “real doll”), abordando temas como solidão, projeção inconsciente,
acolhimento social e os limites entre fantasia e realidade.
2) Her (Ela, 2013, dir.
Spike Jonze)
Um homem se apaixona por um sistema operacional dotado de inteligência
artificial, ilustrando o desejo hipermoderno de substituir o vínculo real pelo
simulacro afetivo, tematizando solidão, simulacro e pulsão do inconsciente no
ambiente digital.
3) A.I. Artificial
Intelligence (Inteligência Artificial, 2001, dir. Steven Spielberg)
O menino-robô David, projetado para substituir o filho real de uma família,
torna-se o “bebê reborn” por excelência: objeto do desejo de afeto e projeção
de carências maternas/paternas, abordando a busca interminável por aceitação, o
luto e a artificialidade do vínculo.
SÉRIES
1) Servant (Apple TV+,
2019–, criada por Tony Basgallop e M. Night Shyamalan)
A série começa com um casal enlutado que cuida de um bebê reborn como se fosse
real, desencadeando jogos psíquicos perturbadores, delírios, luto não elaborado
e distorção do real – um retrato exemplar dos jogos do inconsciente na
hipermodernidade.
2) Black Mirror – Episódio
“Be Right Back” (S02E01)
Após a morte do namorado, uma jovem recorre a um serviço que cria uma réplica
robótica hiper-realista a partir dos dados virtuais do falecido. O episódio
discute simulacro, luto, substituição simbólica e os limites da experiência
afetiva artificial.
3) Westworld (HBO,
2016–2022, criada por Jonathan Nolan e Lisa Joy)
Parque futurista povoado por androides hiper-realistas, explorando a criação de
simulacros humanos, projeção de fantasias e traumas, pulsão de controle,
hiper-realismo e questionamento da própria humanidade.
PINTURA/ARTES VISUAIS
1) Ron Mueck – esculturas
hiper-realistas de bebês e figuras humanas
Artista australiano reconhecido internacionalmente por esculturas que abordam o
hiper-realismo do corpo humano, especialmente bebês e figuras infantis em
escala ampliada ou reduzida, provocando fascínio e estranhamento.
2) Patricia Piccinini – “The
Young Family” (2002)
Escultura que mistura características humanas e animais em figuras infantis,
problematizando maternidade, biotecnologia, afeto artificial e inquietação
diante do hiper-real.
3) Audrey Flack – Pinturas
hiper-realistas da série “Vanitas” (1970s)
Pintora americana que explora a iconografia da infância, bonecas e objetos do
cotidiano em composições que misturam beleza, efemeridade e simulacro,
dialogando com a memória afetiva e a projeção inconsciente.
REFERÊNCIAS
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criança e da família. Rio de Janeiro: LTC, 2006.
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simulação. Lisboa: Relógio d'Água, 1991.
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era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e técnica, arte e política:
ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987.
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considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e técnica, arte e
política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo:
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com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de
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Unheimliche). In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas
de Sigmund Freud. v. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
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civilização. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de
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sintoma? Terra, 2023. Disponível em: https://www.terra.com.br.
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sintoma? Terra, 2023. Disponível em: https://www.terra.com.br.
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uma análise psicológica. The Collector, 2022. Disponível em: https://www.thecollector.com. Acesso
em: 17 maio 2025.# Bebês Reborn e os Jogos do Inconsciente na Hipermodernidade
Excelente matéria. Que ela seja luz e conscientização para os que a lerem e que possa ser divulgada. A nossa sociedade está adoecida e pelo que vemos está num nível muito maior do que julgávamos.
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