VOCÊ VIU A FERNANDA TORRES? EU SEI QUE VOU TE AMAR!

 


A sala de casa era um universo pequeno, mas suficiente para grandes epifanias iluminadas pela Philco 43 polegadas analógica. O sofá surrado, a TV com chiado de antena e o cheiro do jantar vindo da cozinha. Eu, um garoto tímido de quinze anos, grudado na tela, acompanhava Selva de Pedra como se minha vida dependesse disso. E, para ser honesto, dependia.

A transição entre a novela e o noticiário foi abrupta, como um corte seco de montagem experimental. O mundo encantado de Simone Marques desmoronou para dar lugar à voz grave do apresentador: "Brasileira Fernanda Torres vence prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes."

Cannes. Prêmio. Fernanda. Meu coração disparou como em um clímax bem conduzido, os olhos arregalaram em close dramático, e minha respiração suspensa fazia do momento uma cena de absoluto impacto. O mundo ao meu redor seguiu seu curso, mas eu estava congelado no tempo, um quadro imóvel na película do meu pequeno universo.

A revelação parecia um roteiro improvável para a realidade do meu bairro. Cannes era um universo paralelo para mim. Um espaço tão distante quanto as galáxias visíveis no céu das noites de verão. Minha cidade era um microcosmo de rotina, de obrigações repetidas, de expectativas pequenas. Eu sabia que ali, entre as ruas esburacadas e os rostos sempre iguais, nunca se ouviria falar de Fernanda Torres vencendo prêmios internacionais. Era uma realidade inatingível, reservada a outros, a pessoas que pareciam pertencer a outro tempo, outro mundo.

Sempre fui um garoto introspectivo. Minha timidez era um casulo de onde, talvez, nunca quisesse sair. Mas havia algo no cinema – e, mais especificamente, em Fernanda Torres – que me fazia desejar atravessar essa barreira invisível. Ela representava tudo que eu não era: destemida, expressiva, dona de uma presença avassaladora. Cada gesto, cada olhar, cada nuance sua parecia comunicar uma verdade que me escapava. O cinema, através dela, me mostrava uma vida que eu jamais viveria, mas que ansiava desesperadamente entender.

VER O FILME COMPLETO https://www.youtube.com/watch?v=cBh5_XKfU14&t=4s

Fernanda Torres entrava em cena e o mundo ao redor desaparecia. Era um brilho diferente, um magnetismo que me fazia esquecer da escola, da vizinha ranzinza que gritava com o marido e até do feijão queimando no fogão da minha mãe. Para mim, ela não atuava – ela simplesmente era. Havia algo hipnotizante em sua presença, uma energia que fazia tudo ao redor perder a importância. Eu me perguntava como alguém podia carregar tamanha intensidade no olhar. Ah, sim, havia algo de sobrenatural ali. Talvez fosse uma musa de Apolo disfarçada de atriz brasileira, um mistério que nunca seria desvendado.

A cena se desdobrava dentro de mim como um filme em movimento contínuo. Era essa mesma sensação que eu buscava nas revistas, nas colagens, nos recortes. Se Cannes estava inacessível, eu o recriaria no meu quarto. O caderno de recordações era minha ponte para esse mundo inalcançável. Cada recorte, cada frase retirada de um jornal era um tijolo nessa construção imaginária. Se não podia estar lá, ao menos poderia tocar a superfície desse universo distante com os olhos e a imaginação.

Minha irmã, mais velha e já cansada das minhas excentricidades, zombava de minha fixação. Para ela, Cannes e os filmes eram coisas sem importância, flashes de um mundo que nada tinham a ver com a vida real. Enquanto eu me encantava com as cenas de Selva de Pedra, ela lavava a louça e me lançava olhares carregados de impaciência. "E daí?", dizia. "Você não vai a Cannes. E esse filme, duvido que passe na TV. Melhor se preocupar com a escola."

Mas ela não entendia. O cinema era o que me conectava ao que existia além. Se eu não podia estar lá, poderia absorver cada fragmento e carregá-lo comigo. O tempo passava e minha devoção se tornava um enredo cada vez mais estruturado, com suas reviravoltas e simbolismos próprios. Talvez eu nunca pisasse em Cannes, mas ali, naquela sala pequena, entre um feijão queimado e um chiado de antena, eu era, de alguma forma, parte desse universo distante.

Talvez não houvesse um cinema na minha cidade. Mas havia a Fernanda Torres. E, naquele dia, isso foi suficiente.


Se o cinema não vinha até mim, eu daria um jeito de agarrá-lo com as mãos – ou melhor, com tesoura e cola. Afinal, a arte, como se sabe, é uma questão de adaptação.

Depois da notícia do prêmio em Cannes, minha obsessão por Fernanda Torres ou por cinema se transfigurou numa missão arqueológica digna de um Indiana Jones suburbano. Desbravava bancas de jornais como quem busca relíquias de um império perdido. Veja, Manchete, Contigo, Amiga – qualquer coisa que trouxesse uma menção, um resquício de Fernanda, era adquirida com a solenidade de quem negocia um diamante.

Meu dinheiro de lanche tornou-se um fundo secreto para a coleção, um investimento na eternidade da imagem. Passava fome na escola, mas voltava para casa com exemplares sagrados, segurando-os como se fossem a tábua da salvação. Sentava no chão, espalhava as revistas e começava o ritual.

Era um sacerdócio: o cheiro do papel recém-folheado, as páginas brilhantes, as fotos em preto e branco, as manchetes em letras garrafais: "Fernanda Torres: O Brasil em Cannes", "O fenômeno de 'Eu Sei Que Vou Te Amar'". Percorria cada linha com devoção, como quem busca significado nas entranhas de um oráculo, tentando capturar cada detalhe de sua expressão, do figurino, do jeito que segurava um cigarro com aquele ar de desdém ensaiado.

Com a precisão de um cirurgião e a dedicação de um monge, recortava cada imagem, cada frase relevante. Minhas ferramentas: uma tesoura escolar e um tubo de cola. O resultado? Um verdadeiro tratado visual sobre a grandiosidade de Fernanda Torres – um caderno pautado transformado em museu particular.

As páginas viravam e, a cada nova montagem, sentia que possuía algo inalcançável para os demais. Eu não podia assistir ao filme, mas podia construí-lo, recosturá-lo, reinventá-lo em fragmentos de papel e palavras manuscritas.

Os outros meninos da minha idade colecionavam figurinhas de futebol. Eu colecionava Fernanda Torres e noticias sobre o cineam. O que era o Álbum da Copa comparado ao meu relicário cinematográfico?

Minha mãe, observando minha devoção, espiava às vezes e sacudia a cabeça:

— Esse menino é esquisito.

Talvez fosse. Mas, em meu universo de recortes e colagens, Cannes cabia confortavelmente dentro da minha gaveta.

Certa vez, vi na TV a chamada da exibição do filme no Corujão da madrugada. Como um fiel devoto da sétima arte, preparei-me para a cerimônia solitária: café forte, travesseiro estrategicamente posicionado e olhos fixos na tela. O relógio marcava uma e meia da manhã quando finalmente me deparei com aquela obra misteriosa. Assisti, absorvi, e, ao final, compreendi… absolutamente nada.

Havia frases que me chamaram atenção, pequenos enigmas disfarçados de diálogos, mas seus significados dançavam diante de mim, esquivos como sombras em um beco mal iluminado. O filme parecia narrar um amor que oscilava entre o sublime e o insano, e eu, na minha juventude inexperiente, tentava decifrar aquele universo de emoções desenfreadas.

"Eu sei que você sabe que eu sei de tudo que você era e que teu único tesouro é o que eu não sei mais…"

Era como se o personagem falasse diretamente comigo, mas em um idioma que eu ainda não dominava. A memória e o mistério estavam ali, entrelaçados, como peças de um quebra-cabeça incompleto que, ironicamente, me parecia mais fascinante justamente por nunca ser resolvido.

Essa frase captura a essência da memória e do mistério, temas centrais do filme e que podem ressoar com o fascínio do narrador pela atriz.

"…aconteceu alguma coisa na nossa vida que as almas se misturaram… a gente não pode ficar junto porque morre… morre a vida morre tudo… só fica a gente… eu me separei de você porque te amava demais…"

A intensidade do amor e a dor da separação, sentimentos que o narrador pode projetar em sua admiração platônica por Fernanda Torres.

"…eu quis tocar uma verdade, eu quis dar um beijo que ficasse, um gozo que não passasse mais, uma marca de amor que não saísse da sua pele.. te marcar… te suar… virar você."

Essa passagem explicita o desejo de fusão, de transcendência, que pode simbolizar a paixão do narrador pelo cinema e pela atriz.

"…parece que tem um rio no meio de nós dois… eu falo e não tem rio.. aí olho e tem… eu quero dizer a você a verdade.. eu te proponho… nada…"

A incerteza e a busca pela verdade, temas que podem refletir a própria jornada do narrador em busca de seus sonhos.

"…É impressionante como este cara não agüenta ser amado!… Agora quando eu dei um pouco de verdade… de emoção… “aceita um drinque”? Que drinque? Cara… tu é barman, que drinque? Só se for um coquetel das minhas lágrimas com tua falta de seriedade…"

O Drama explicito do texto pode contrastar com a timidez do adolescente, criando um paralelo interessante.

"…O que me faz sofrer é sentir que o que encheria qualquer mulher de felicidade, ou seja, ter teu maravilhoso amor e as coisas lindas que você me diz, tudo isto me causa ansiedade e me leva ao desespero…"

A dualidade do amor, a alegria e o sofrimento, sentimentos que podem ecoar na relação do narrador com o cinema e com a atriz.

"Será que eu nunca mais vou te esquecer? Será que nunca mais vou olhar para um espelho sem ver você refletida? Será que nunca mais vai chover sem eu ver a chuva molhando o teu rosto?"

A intensidade da memória e a obsessão, sentimentos que podem simbolizar a admiração do narrador pela atriz e pelo filme.

Como se não bastasse, criei um caderno de recordações dedicado inteiramente ao cinema e ao filme "Eu Sei Que Vou Te Amar". Um relicário pessoal onde cada página era um tributo à sétima arte. Lá estavam fotos meticulosamente recortadas de revistas, frases emblemáticas do roteiro, desenhos de cenas que me marcaram, rascunhos de poesias inspiradas na intensidade dos diálogos e anotações sobre direção, atuação e trilha sonora. Cada detalhe era registrado com um zelo quase devocional.

As folhas internas, grossas e lisas, tornaram-se o suporte perfeito para colagens cinematográficas, registros de uma memória apaixonada. Bilhetes, críticas de jornal, fragmentos de entrevistas – tudo fazia parte dessa construção meticulosa de um universo que, de tão distante, eu precisava trazer para perto. Era mais do que um caderno: era uma pequena cinemateca portátil, uma prova concreta de que o cinema, mesmo inatingível na minha cidade, poderia existir dentro de mim.

O caderno não era apenas um objeto, mas um companheiro, um confidente silencioso onde eu despejava minha paixão pelo cinema e pela arte de Fernanda Torres. Havia páginas dedicadas a cada aspecto do filme: uma seção sobre a cinematografia, onde eu tentava reproduzir com lápis e carvão os enquadramentos que mais me impressionavam; outra sobre os diálogos, onde copiava e reescrevia falas, refletindo sobre o impacto emocional de cada palavra. Algumas páginas se enchiam de notas rabiscadas à margem, conjecturas sobre a interpretação dos atores, sobre o significado dos silêncios, sobre como a música se entrelaçava com a imagem.

Às vezes, eu pegava o caderno apenas para folhear suas páginas, sentir a textura dos recortes e rever as imagens cuidadosamente coladas. Ele era um testemunho do meu amor pelo cinema e, ao mesmo tempo, uma forma de alcançar um mundo que parecia sempre tão distante. Quando olhava para ele, sabia que, mesmo sem nunca ter pisado em Cannes ou em um set de filmagem, eu estava, de alguma forma, fazendo parte daquela história.Um relicário pessoal onde cada página era um tributo à sétima arte. Lá estavam fotos meticulosamente recortadas de revistas, frases emblemáticas do roteiro, desenhos de cenas que me marcaram, rascunhos de poesias inspiradas na intensidade dos diálogos e anotações sobre direção, atuação e trilha sonora. Cada detalhe era registrado com zelo quase devocional.

As folhas internas, grossas e lisas, tornaram-se o suporte perfeito para colagens cinematográficas, registros de uma memória apaixonada. Bilhetes, críticas de jornal, fragmentos de entrevistas – tudo fazia parte dessa construção meticulosa de um universo que, de tão distante, eu precisava trazer para perto. Era mais do que um caderno: era uma pequena cinematheca portátil, uma prova concreta de que o cinema, mesmo inatingível na minha cidade, poderia existir dentro de mim..Um produto e presente completamente afetivo para você registrar suas recordações. As folhas internas são grossas e lisas para que você possa decorar as páginas com colagens, aquelas fotos incríveis, bilhetes, recortes e tudo mais que fizer parte da sua história e o que sua imaginação permitir.

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